Levantamento mostra que, até agosto, 31 parlamentares não conseguiram tirar do papel mais da metade do valor que eles indicaram no Orçamento; veja ranking dos menos eficientes
Lorenna Rodrigues e Eduardo Rodrigues, O Estado de S.Paulo
28 de setembro de 2020 | 10h37
Atualizado 28 de setembro de 2020 | 18h13
BRASÍLIA – Em seu primeiro mandato na Câmara, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) tentou enviar R$ 2 milhões do Orçamento deste ano a um programa voltado a adolescentes infratores. Não conseguiu. O governo identificou impedimentos técnicos na emenda da parlamentar. Outra neófita no Congresso, a senadora Leila Barros (PSB-DF) teve a indicação de R$ 100 mil recusada pelo Ministério da Cidadania porque o destino seria uma associação de capoeiristas que não tem o tempo de existência mínimo para celebrar parceria com a União. Até mesmo o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, enfrenta dificuldades para mandar R$ 300 mil para asfaltar ruas de Lagoinha, no interior de São Paulo, porque não há um projeto cadastrado para isso.
As emendas parlamentares são indicações feitas por deputados e senadores de como o governo deve gastar parte do dinheiro do Orçamento. Elas incluem desde recursos para obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, por exemplo, até valores destinados a programas de saúde, educação e assistência social.
Embora essas emendas sejam impositivas – o governo é obrigado a destinar o recurso –, o dinheiro já autorizado e que poderia beneficiar a população tem ficado pelo caminho, perdido nas engrenagens da burocracia orçamentária.
Até o fim de agosto, R$ 1,8 bilhão (19% do total) ainda não havia sido empenhado, ou seja, ainda não tinha passado pela primeira etapa do pagamento.
Para dar transparência à qualidade das emendas, o Inop criou um Ranking de Eficiência Orçamentária, que mostra quem conseguiu destinar mais ou menos dinheiro no Orçamento. A avaliação é que os parlamentares com pior desempenho tiveram problemas ao elaborar as emendas, como não cumprir exigências legais, destinar valores para obras sem projeto, para municípios que já atingiram limites para o recebimento de verba ou para programas que não atendem necessidades de prefeituras, entre outros.
“Isso demonstra uma dificuldade do parlamentar em entender o beneficiário final de suas emendas, o perfil e a capacidade que ele tem de receber o recurso ou de gerir um convênio público, por exemplo”, afirmou o diretor do Inop, Renatho Melo. “O ranking busca aferir o desempenho e eficiência da elaboração orçamentária, queremos mostrar que, no meio do exercício, tem gente que está muito para trás.”
Os problemas enfrentados para ter uma emenda liberada não é exclusividade da oposição. Além de Eduardo, entre os parlamentares com pior desempenho estão aliados do governo como o deputado Hélio Lopes (PSL-RJ), a deputada Bia Kicis (PSL-DF), o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), e o ex-líder do governo na Câmara Major Vitor Hugo (PSL-GO).
No outro extremo, no topo do ranking, com 100% de suas emendas executadas até agosto, estão 15 parlamentares, incluindo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e os deputados Kim Kataguiri (DEM-SP), Marco Feliciano (Republicanos-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP).
Impedimento técnico
Ao rejeitar os R$ 2 milhões que Tabata queria enviar a um programa que atende jovens infratores, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos apontou, em nota técnica, uma série de motivos: falta do plano de aplicação detalhado, destinação de recursos para aquisição de bens em rubrica errada e encaminhamento em plataforma diferente da exigida legalmente. A deputada alega que cancelou a emenda anterior antes mesmo da rejeição e decidiu enviar metade do dinheiro para o combate à covid-19, que costuma ter uma execução mais ágil na engrenagem orçamentária do governo por ser destinado à área da saúde. A outra metade segue destinada para o mesmo projeto e está em análise após a entrega de novos documentos.
Entre os parlamentares que já tiveram 100% de suas emendas empenhadas, grande parte destinou seu quinhão totalmente para a saúde. Nesse caso, a maioria do dinheiro é transferido “fundo a fundo”, do Fundo Nacional da Saúde para os fundos municipais e estaduais, o que facilita o processo. A exceção são obras na área da saúde, como a construção de um hospital, que passam por um trâmite diferente e dependem de projetos.
No caso de Eduardo, os R$ 300 mil enviados pelo filho do presidente para obras de pavimentação e recapeamento de ruas não saíram do papel ainda porque a prefeitura de Lagoinha, que poderia ser beneficiada, até hoje não apresentou um projeto para usar o dinheiro. De acordo com especialistas, isso sinaliza que a emenda foi destinada sem uma articulação prévia com o município.
O diretor do Inop ressalta que não necessariamente o parlamentar vai “perder” o recurso de uma emenda que foi recusada ou que não foi utilizada, já que ele pode trocar o destinatário do dinheiro até o fim do ano. “Mas, na administração pública, faz diferença receber um recurso em abril ou em dezembro, por exemplo, principalmente para os prefeitos que estão em fim de mandato (pela lei eleitoral, algumas despesas não podem ser empenhadas no fim do governo)”, afirmou.
Deputados culpam covid-19 e dizem que não há corrida por pagamento de emendas
Os parlamentares com pior desempenho na execução de emendas atribuíram ao ano atípico, marcado pela pandemia da covid-19, as dificuldades em fazer com o que o dinheiro do Orçamento chegue ao destino indicado. Além disso, ressaltaram que os recursos ainda podem ser pagos até o fim do ano.
“Não é um campeonato de quem executa primeiro, mais importante é a qualidade das emendas”, disse o senador Reguffe (Podemos-DF). A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), que registra o mais baixo índice de execução das suas emendas, afirmou que havia destinado recursos para Ciência e Tecnologia que ficaram em “compasso de espera” para avaliação do governo sobre a necessidade de redirecioná-los para ações de combate ao coronavírus.
A deputada Tabata Amaral disse que a execução das emendas abaixo do esperado não se deu por ineficiência do mandato, e sim por ineficiência do governo federal. Joenia Wapichana (Rede-RR) e Erika Kokay (PT-DF) também culparam a gestão de Jair Bolsonaro pela demora nos pagamentos.
A deputada Bia Kicis disse que grande parte das suas emendas foi destinada a investimentos, o que demanda prazo maior para saírem do papel, mesma justificativa dos deputados Natália Bonavides (PT-RN) e Vitor Lippi (PSDB-SP).
O deputado Loester Trutis (PSL-MS) disse que suas emendas têm objetivos claros e destinações concretas e que o critério para valorar a atuação do parlamentar não pode ser apenas o volume de recursos executado.
O deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), candidato a prefeito de São Paulo, lembra que 2020 é ano eleitoral, com prazos mais curtos para apresentação e análise dos projetos, e que todas as emendas indicadas por ele ainda têm condições de serem empenhadas.
A deputada Mara Rocha (PSDB-AC) disse que os atrasos nos empenhos “incomodam”, mas atribui a demora ao governo estadual do Acre. Antônio Nicoletti (PSL-RR) também culpa o governo local, no seu caso, o de Roraima.
Para o deputado David Miranda (PSOL-RJ) a pandemia dificultou o trabalho para ONGs e prefeituras reunirem documentos necessários. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) diz que 75% das suas emendas já estão aptas a serem pagas. A deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) disse que é contra a destinação de recursos via emendas parlamentares e que a execução em 2020 se comporta de maneira atípica por conta da pandemia.
A senadora Leila Barros enumerou uma série de fatores para justificar a baixa execução, como burocracias e trocas de equipe no governo federal. Sobre a emenda para a associação de capoeirista, recusada pelo Ministério da Cidadania, a parlamentar disse que o valor foi remanejado para outra instituição social.
A reportagem procurou os demais parlamentares com execução menor de 50% nas emendas, mas eles não responderam. O Ministério da Economia também não respondeu sobre o baixo índice de execução de emendas nem às críticas dos parlamentares ao governo.